Nostalgias

Ainda mais demagógica do que a tese da "crise de valores" é a tese, que lhe está associada, do "antigamente é que era bom". Tenho andado nos últimos tempos, aliás, a pensar escrever um livro sobre isto, qualquer coisa intitulada "antigamente não era bom" ou coisa parecida.

Este discurso saudosista é interclassista, transversal à sociedade. É repetido por taxistas e por senadores de qualidade duvidosa como Almeida Santos. E é um discurso corrosivo, que acaba por minar o próprio estado de alma nacional. Porque a realidade é que nem os "valores" estão em "crise", nem antigamente foi melhor. Ainda que estejamos longe da excelência. Isto é, no meio termo há um longo caminho virtuoso que foi percorrido e que injustamente desprezamos.

Hoje passou-me pelos olhos uma prosa de uma figura grada do CDS de Coimbra, que no diário As Beiras citava o bullying como exemplo evidente da degradação educativa nacional e dos valores que supostamente se perderam. Como se "antigamente", ou até só há trinta anos atrás, que é o meu horizonte escolar de vida, não existisse bullying ou discriminação, e como se a escola não tivesse sido durante séculos um sítio de violência correctiva indiscriminada. Certamente tão ou mais traumática e geradora de personalidades violentos do que muito assédio no recreio.

Os tempos mudam e novos problemas se levantam, como a indisciplina crescente ou o laxismo avaliativo, reflexos da massificação e da democratização do ensino a que finalmente chegámos, depois de um longo antigamente maioritariamente para esquecer. Face a isso, aos novos desafios que a modernidade está e estará sempre a trazer à tona, podemos exigir ou lutar por novos caminhos, como a maior democratização da escola privada ou a maior responsabilização da família que o próprio articulista do CDS também defende e bem. O que não podemos é suspirar por um passado que nunca existiu e por uma superioridade moral que só existe na cabeça dos fadistas do Restelo.

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