A abrir

Começar um livro pode ser uma das tarefas mais complicadas do processo de escrever um livro. Até pode ser fácil e sem esforço a imaginação flui. Mas será sempre o momento crucial, a arrancada para o ataque à besta que nos encara de frente com o seu rosto branco que intimida. Sobretudo se nos preocuparmos em abrir as hostilidades com uma frase ou um parágrafo marcante, definidor, essencial e original. Por vezes é um gesto fluido, mas muitas outras é doloroso e moroso: começar. Eis como começaram alguns gigantes das letras algumas duas suas obras. Aberturas excelentíssimas: .

“Happy families are all alike; every unhappy family is unhappy in its own way.” — Anna Karenina – Leo Tolstoy


“The human race, to which so many of my readers belong, has been playing at children’s games from the beginning, and will probably do it till the end, which is a nuisance for the few people who grow up.” — The Napoleon of Notting Hill – G. K. Chesterton


“I, Tiberius Claudius Drusus Nero Germanicus This-that-and-the-other (for I shall not trouble you yet with all my titles) who was once, and not so long ago either, known to my friends and relatives and associates as “Claudius the Idiot,” or “That Claudius,” or “Claudius the Stammerer,” or “Clau-Clau-Claudius” or at best as “Poor Uncle Claudius,” am now about to write this strange history of my life; starting from my earliest childhood and continuing year by year until I reach the fateful point of change where, some eight years ago, at the age of fifty-one, I suddenly found myself caught in what I may call the “golden predicament” from which I have never since become disentangled.” — I, Claudius – Robert Graves


“He—for there could be no doubt of his sex, though the fashion of the time did something to disguise it—was in the act of slicing at the head of a Moor which swung from the rafters.” — Orlando – Virginia Woolf


“It was a bright cold day in April, and the clocks were striking thirteen.” — 1984 – George Orwell


“It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair.” — A Tale of Two Cities – Charles Dickens


“As Gregor Samsa awoke one morning from uneasy dreams he found himself transformed in his bed into a gigantic vermin.” — Metamorphosis – Franz Kafka


“Alice was beginning to get very tired of sitting by her sister on the riverbank, and of having nothing to do: once or twice she had peeped into the book her sister was reading, but it had no pictures or conversations in it, ‘and what is the use of a book’, thought Alice, ‘without pictures or conversation?’” — Alice’s Adventures in Wonderland – Lewis Carroll


“It is a truth universally acknowledged, that a single man in possession of a good fortune, must be in want of a wife.” — Pride and Prejudice – Jane Austin


“There was a boy called Eustace Clarence Scrubb, and he almost deserved it.” — Voyage of the Dawn Treader – C. S. Lewis


“Midway in our life’s journey, I went astray from the straight road and woke to find myself alone in a dark wood.” — Inferno – Dante


“It was the afternoon of my eighty-first birthday, and I was in bed with my catamite when Ali announced that the archbishop had come to see me.” — Earthly Powers – Anthony Burgess

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Pub excelentíssima

Ação de Graças

 

William S. Burroughs: A Thanksgiving Prayer 

For John Dillinger 
In hope he is still alive

Thanksgiving Day, November 28, 1986

Thanks for the wild turkey and the Passenger Pigeons, destined to be shit out through wholesome American guts. Thanks for a Continent to despoil and poison — Thanks for Indians to provide a modicum of challenge and danger — Thanks for vast herds of bison to kill and skin, leaving the carcasses to rot - Thanks for bounties on wolves and coyotes — Thanks for the AMERICAN DREAM to vulgarize and falsify until the bare lies shine through — Thanks for the KKK, for n**ger-killing lawmen feeling their notches, for decent church-going women with their mean, pinched, bitter, evil faces — Thanks for "Kill a Queer for Christ" stickers — Thanks for laboratory AIDS — Thanks for Prohibition and the War Against Drugs — Thanks for a country where nobody is allowed to mind his own business — Thanks for a nation of finks — yes, thanks for all the memories... all right, let's see your arms... you always were a headache and you always were a bore — Thanks for the last and greatest betrayal of the last and greatest of human dreams.

Silêncio


«(...) Na Índia, as técnicas de meditação desenvolveram-se para permitir ignorar o barulho que nunca se detém um segundo, sobretudo nas povoações. Nas cidades do Ocidente, pelo contrário, até mesmo aquelas que "nunca dormem", sobrevém algures entre as três e as quatro da madrugada um momento misterioso e elusivo em que o dia anterior fechou os olhos e o novo dia ainda não os abriu. Por alguns minutos faz-se um silêncio absoluto. Quem por acaso acorda nesse instante mágico chega a sentir medo.
Ora, é precisamente o medo que leva o mundo moderno a viver no barulho. Se a natureza tem horror do vácuo, o homem moderno, esse, tem horror do silêncio. 
Está sempre a ouvir-se música em todos os lugares, nas casas, nas lojas, nos restaurantes, nas escolas. Não cessa a bulimia palradora da televisão e da rádio, os bips e rings dos computadores, telemóveis, i-pods. Na rua, as pessoas levam auscultadores nos ouvidos ou falam compulsivamente ao telefone. Os momentos de silêncio que ocorrem por acaso num lugar público ou numa conversa de amigos são motivo da mais extrema inquietação. O silêncio, esse esquisito intruso, é imediatamente expulso pelo barulho que, com alívio geral, recomeça. "Passou um anjo", costumava dizer-se, exprimindo assim o desconforto que o silêncio momentâneo causara. Nos transportes colectivos ou elevadores, uma certa sociabilidade urbana impõe o silêncio, e é mais isso que a forçada proximidade dos corpos que inquieta toda a gente. Antes do barulho electrónico ser portátil, já havia quem, como os ingleses, não suportasse o silêncio dos autocarros ou do metro e se pusesse a ler incessantemente, enchendo a cabeça com o som e a fúria de histórias sem importância nenhuma contadas por tolos (...)»

Paulo Varela Gomes, in Público - Suplemento P2 19 de Novembro 2011

História 3D

A razão de Popper

«Decía Karl Popper que la religión dominante de nuestra época podría definirse en una sola frase: "el malvado mundo en que vivimos".

Según el pensador austríaco la peor influencia de muchos intelectuales (de izquierda y de derecha) era haber convencido a los jóvenes de que estaban viviendo en un mundo moralmente malo y en una de las peores épocas de la historia. A pesar de haber padecido la persecución nazi en los años treinta del siglo pasado, Popper sostenía que esa afirmación sobre la maldad del mundo occidental era una gran mentira. Para él no había habido nunca un sistema social mejor —o menos malo, si quieren— que el consolidado en las sociedades europeas occidentales a finales del siglo XX. Esto, decía, no asegura nada hacia el futuro, pues “no existe ninguna ley histórica del progreso”.

Estoy leyendo un libro fascinante que confirma las tesis de Popper al menos en un aspecto fundamental: la violencia. Con infinidad de números cuidadosamente estudiados, tablas y estadísticas bien calculadas, y datos históricos comprobables y apabullantes, este libro demuestra que nunca antes en la historia del mundo —si se promedian cifras globales— habíamos vivido una era menos violenta. Este horrible mundo en que vivimos, con las masacres de Abu Ghraib y de Mapiripán, con las Torres Gemelas y las guerras de Irak, Afganistán y Libia, es un mundo muchísimo más pacífico y seguro que —digamos— el de las guerras napoleónicas, el de la guerra civil americana o el de nuestras guerras de independencia.(...)»
continua aqui

Política, religião e uma voz religiosa avisada

"We are seeing a return of some very, very dangerous forms of religiosity, a 'religionisation' of politics, among certain radical religious circles. Religion and politics do not mix. When you 'religionise' a conflict you render it incapable of solution because what in politics is a high virtue, in religion, is the greatest vice.... To reach a political solution you have to be able to compromise and that means you have to make a principled separation of religion from power. Some of the religion that has emerged in the 21st century is very dangerous, very scary, and on this I would stand side by side with the 'new atheists.'"

Jonathan Sacks, Rabino Chefe da Commonwealth, esta semana em Toronto

Esquerda, direita, etc.

“Ser de esquerda é, como ser de direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser um imbecil: ambas, em efeito, são formas da hemiplegia moral", José Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas, 1937

Shatner e o Hino do Canadá

O sentido da vida

«Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. São apenas jogos; primeiro é necessário responder. (...)

Se pergunto a mim próprio como decidir se determinada interrogação é mais premente do que outra qualquer, concluo que a resposta depende das acções a que elas incitam, ou obrigam. Nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. Galileu, que possuía uma verdade científica importante, dela abjurou com a maior das facilidades deste mundo, logo que tal verdade pôs a sua vida em perigo. Fez bem, em certo sentido. Essa verdade não valia a fogueira. Qual deles, a Terra ou o Sol, gira em redor do outro, é-nos profundamente indiferente. A bem dizer, é um assunto fútil. Em contrapartida, vejo que muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não merece ser vivida. Outros vejo que se fazem paradoxalmente matar pelas ideias ou pelas ilusões que lhes dão uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer). Julgo pois que o sentido da vida é o mais premente dos assuntos ― das interrogações.»


Albert Camus in o Mito de Sisifo

Gone with the wind

De Olhografias

Mondego

Flânerie. Uma revista de fotografia. Para olhar, pensar, sentir e partilhar



O número zero desta nova revista de distribuição gratuita pode já ser descarregado aqui. E o manifesto editorial é assim:

«Somos fotógrafos - vivemos a fotografia como algo extraordinário, deliberado e consequente, que nos permite reflectir sobre o nosso papel na sociedade contemporânea.
Alimentamos diariamente a dúvida criativa que nos propulsiona no sentido de uma prática onde o pensamento divergente impera. Não recusamos o direito ao erro e abrimos, de par em par, as portas à possibilidade do acaso.
Acreditamos na fotografia como uma prática reflectida e livre e, como tal, implicitamente responsável. Sabemos que a fotografia não se dissocia da vida e por isso arriscamos projectos sensíveis, desenhados a uma escala humana que nunca desejaremos perder de vista.
Pensámos a FLÂNERIE como um projecto que espelha a nossa experiência de um mundo em plena mutação onde a materialidade dos livros co-habita agora com a desmaterialização das publicações electrónicas.
Gostamos de arte ready-made, de objets trouvés e de leitores engagés e, por isso mesmo, criamos uma revista tangente a esse território onde nascem as nossas utopias.
Este objecto coleccionável é assim tanto nosso como vosso pois sois vós, leitores, que farão esta revista deambular entre lugares de afeição ou do vosso quotidiano, tornando-se assim cúmplices na sua distribuição.»

Susana Paiva

Somos todos Charlie Hebdo


Faço minhas as palavras de Bernardo Pires de Lima.

Dias de pensar alto na Figueira da Foz

Novembro é mês de boa colheita na Figueira da Foz. Mês de, pelo menos, dois acontecimentos a não perder:

Eduardo Lourenço na Biblioteca Municipal da Figueira da Foz, dia 25 de Novembro às 21h30. No ciclo 5ªs de Leitura (o convidado de Dezembro, já agora, será Nuno Rogeiro). Entrada Livre

E, no Casino, «A 17 deste mês, a “Ética, Economia, Ambiente e Política” dão o mote a mais uma comemoração do Dia Mundial da Filosofia. Três filósofos de formações distintas – o teólogo e docente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Anselmo Borges; o economista e professor catedrático da Universidade de Aveiro, José Manuel Moreira; e o professor nas universidades de Salamanca, Córdoba e Complutense de Madrid, José Maria Garcia Goméz-Heras – são os convidados para uma conferência que terá na moderação o jornalista, analista político e professor do Ensino Superior, Carlos Magno.» In O Figueirense

Alterglobalizações. Ou que se lixe o Steve Jobs

Regabofes

Rui Bebiano, um dos mais interessantes pensadores da nossa contemporaneidade e que mantém um dos mais interessantes blogs da mesma, publicou no dito uma pequena reflexão sobre o regabofe. Assim: «Uma frase curta com a qual nos têm martelado os ouvidos, como afirmação supostamente mordaz para justificar tudo aquilo que de mau nos está a acontecer, declara que «é preciso acabar com o regabofe». A frase é incómoda e perigosa porque tem sempre um sentido unívoco. Com ela se pretende indicar que ao longo das últimas décadas as pessoas comuns tiveram direitos a mais, uma qualidade de vida que não mereciam, educação e saúde exageradamente acessíveis, transportes ao preço da uva mijona, férias estupidamente longas, uma estabilidade no trabalho que só lhes fez mal à inteligência e aos músculos (...)». Ora isto nem me parece justo nem me parece razoável. E não é só porque fazer juízos de valor sobre as intenções dos outros seja um terreno pantanoso. Mas sobretudo porque essa frase não tem objetivamente «um sentido unívoco». Muita gente, aliás, quase toda a gente, incluindo certamente Rui Bebiano, tem essa perceção, de que é necessário acabar com o regabofe e não é nada certo que o façam com aquele sentido. No meu caso, é no sentido sobretudo do regabofe na gestão da coisa pública, do estado e das suas ubíquas ramificações. A situação de pré-falência nacional, os ruinosos contratos público-privados, a corrupção, o tráfico de influências e outros cancros políticos estão aí à vista de todos. E reclamam de facto que se acabe com o regabofe. Mas a questão do regabofe também pode ter, efetivamente, outro sentido. E já são dois. Um sentido não político mas privado. E aqui, sim, já se aproximará mais do raciocínio do historiador conimbricense. Este regabofe de que falo (eu e muitos outros que leio e ouço) tem a ver obviamente não com educação, saúde ou transportes, mas sim com uma cultura de consumismo desenfreado que tomou de assalto a nossa sociedade, um materialismo hedonista e voraz que levou, por exemplo, a níveis esmagadores de endividamento privado ou a níveis alarmantes de destruição do meio ambiente. Uma sociedade apaixonada pelo ter e não pelo ser, que parece ter-se esquecido de cuidar do amanhã em nome de um qualquer primado do aqui e do agora. É deste regabofe privado que ouço falar, que também é causa da situação em que estamos. Admito que também existam pessoas perversas que defendam o tal sentido de que fala Rui Bebiano. Mas não é unívoco, já é um terceiro.

A crise moral

«(…) Apesar desse seu diagnóstico todos os dias ouvimos dizer que a nossa sociedade é, cada vez mais, uma sociedade sem valores, como é que ...