Silêncio


«(...) Na Índia, as técnicas de meditação desenvolveram-se para permitir ignorar o barulho que nunca se detém um segundo, sobretudo nas povoações. Nas cidades do Ocidente, pelo contrário, até mesmo aquelas que "nunca dormem", sobrevém algures entre as três e as quatro da madrugada um momento misterioso e elusivo em que o dia anterior fechou os olhos e o novo dia ainda não os abriu. Por alguns minutos faz-se um silêncio absoluto. Quem por acaso acorda nesse instante mágico chega a sentir medo.
Ora, é precisamente o medo que leva o mundo moderno a viver no barulho. Se a natureza tem horror do vácuo, o homem moderno, esse, tem horror do silêncio. 
Está sempre a ouvir-se música em todos os lugares, nas casas, nas lojas, nos restaurantes, nas escolas. Não cessa a bulimia palradora da televisão e da rádio, os bips e rings dos computadores, telemóveis, i-pods. Na rua, as pessoas levam auscultadores nos ouvidos ou falam compulsivamente ao telefone. Os momentos de silêncio que ocorrem por acaso num lugar público ou numa conversa de amigos são motivo da mais extrema inquietação. O silêncio, esse esquisito intruso, é imediatamente expulso pelo barulho que, com alívio geral, recomeça. "Passou um anjo", costumava dizer-se, exprimindo assim o desconforto que o silêncio momentâneo causara. Nos transportes colectivos ou elevadores, uma certa sociabilidade urbana impõe o silêncio, e é mais isso que a forçada proximidade dos corpos que inquieta toda a gente. Antes do barulho electrónico ser portátil, já havia quem, como os ingleses, não suportasse o silêncio dos autocarros ou do metro e se pusesse a ler incessantemente, enchendo a cabeça com o som e a fúria de histórias sem importância nenhuma contadas por tolos (...)»

Paulo Varela Gomes, in Público - Suplemento P2 19 de Novembro 2011

Sem comentários:

A crise moral

«(…) Apesar desse seu diagnóstico todos os dias ouvimos dizer que a nossa sociedade é, cada vez mais, uma sociedade sem valores, como é que ...