«(...) Se Deus não existe, o que será da ética? Desde o século XVII que esta tem sido uma das questões centrais da filosofia. Na idade moderna, houve um relativo consenso de que a ética deve ser entendida como fenómeno humano — produto das necessidades, interesses e desejos do homem — e nada mais.
Thomas Hobbes (1588–1679) foi o primeiro pensador moderno importante a fornecer uma fundamentação secular e naturalista para a ética. Hobbes, que ganhava a vida como tutor e secretário de famílias aristocráticas, era monárquico e materialista, o que não raras vezes o colocou em sarilhos. Hobbes pressupõe que "bom" e "mau" são nomes que damos às coisas de que gostamos ou de que não gostamos. Assim, quando tu e eu gostamos de coisas diferentes, é por considerarmos boas ou más coisas diferentes. Contudo, Hobbes disse que este é um traço fundamental da nossa psicologia. Somos basicamente criaturas egoístas que querem viver tão bem quanto venha a ser possível. Isto é a chave para entender a ética. A ética surge quando as pessoas compreendem o que hão-de fazer para viver bem.
Hobbes refere que cada um de nós vive incomensuravelmente melhor se viver num sistema de cooperação social em vez de viver por conta própria. Os benefícios da vida social vão além da camaradagem. A cooperação social torna possível a existência de escolas, hospitais e auto-estradas; casas com electricidade e aquecimento central; aviões e telefones, jornais e livros; filmes, ópera e bingo; ciência e agricultura. Sem a cooperação social perderíamos tudo isso. Assim, é vantajoso para cada um nós fazer o que é necessário para estabelecer e manter a sociedade cooperativa.
Mas parece que uma sociedade mutuamente cooperativa só pode existir se adoptarmos certas regras de comportamento — regras que exigem que se diga a verdade, que cumpramos as nossas promessas, que respeitemos a vida e a propriedade dos outros, e assim por diante:
- Sem o pressuposto de que as pessoas falam a verdade, não haveria razão para as pessoas prestarem atenção ao que os outros dizem. A comunicação seria impossível. E sem comunicação entre os seus membros, a sociedade entraria em colapso.
- Sem a exigência de as pessoas cumprirem as suas promessas, não poderia haver divisão do trabalho — os trabalhadores não acreditariam que seriam pagos, os distribuidores não poderiam confiar nos acordos com os fornecedores, e assim por diante — e a economia entraria em colapso. Não haveria comércio, construção civil, agricultura, ou medicina.
- Sem a protecção contra assaltos, homicídios e roubos, ninguém se sentiria seguro. Todos estariam em alerta constante relativamente aos outros, e a cooperação social seria impossível.
Assim, para obter os benefícios da vida social, temos de celebrar um contrato uns com os outros, em que cada um de nós concorda em obedecer às regras que este estabelece, desde que os outros também o façam. Este "contrato social" é a base da moralidade. Logo, a moralidade pode ser entendida como o conjunto de regras que pessoas racionais consentem em obedecer, para seu benefício mútuo, desde que as outras pessoas também o façam. (...)»
James Rachels, in “Problems from Philosophy”
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