A ver o mar
«(...) Quando, há pouco, falei das férias remuneradas, eu lembro-me que a chegada das férias remuneradas à praia de Deauville foi uma coisa! Para um cineasta, isso poderia tornar-se uma obra-prima, pois era prodigioso ver aquela gente vendo o mar pela primeira vez! Eu vi uma pessoa vendo o mar pela primeira vez na vida e é esplêndido! Era uma menina da região de Limousin que estava conosco e que viu o mar pela primeira vez. Se existe alguma coisa inimaginável quando nunca se o viu, esta coisa é o mar. A gente pode imaginar que seja grandioso, infinito, mas tudo isso perde a força quando se vê o mar. Aquela menina ficou umas quatro ou cinco horas diante do mar, completamente aparvalhada, e não se cansava de ver um espetáculo tão sublime, tão grandioso! Então, à praia de Deauville, que tinha sido sempre exclusiva dos burgueses, como se fosse propriedade deles, de repente, chega o povo das férias remuneradas... Pessoas que nunca tinham visto o mar. E foi fantástico. Se o ódio entre as classes tem algum sentido são palavras como as que dizia a minha mãe — que, no entanto, era uma mulher fabulosa —, sobre a impossibilidade de se freqüentar uma praia em que havia gente como aquela. Foi muito duro. Acho que eles, os burgueses, nunca esqueceram. Maio de 68 não foi nada perto disso.(...)»
Gilles Deleuze (in série de entrevistas "O Abecedário de Gilles Deleuze")
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