Poema em Linha Reta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos
Um contributo precioso para a história das ideias
Simplesmente fantástico, este projecto acabadinho de sair dos fervilhantes Google Labs. Com a ajuda de gráficos simples e claros e uma imensa base de dados de cinco milhões de livros (alojados no Google Books), temos um vislumbre da ascensão e declínio de conceitos e palavras ao longo dos últimos quinhentos anos da história humana. É explorar, meus amigos, é explorar: Google Ngram Viewer
Neste gráfico fica patente, por exemplo, a partir de que momento na história o mundo de língua inglesa (isto é, o resto do mundo) começou a dar mais importância ao Brasil do que a Portugal.
Neste gráfico fica patente, por exemplo, a partir de que momento na história o mundo de língua inglesa (isto é, o resto do mundo) começou a dar mais importância ao Brasil do que a Portugal.
Wikileaks e jornalismo
Será a Wikileaks jornalismo? Penso que não. Estrela Serrano também. Um artigo a ler: «(...) O WikiLeaks não é jornalismo. Desde logo, porque os seus responsáveis não têm acesso às fontes primárias da informação que divulgam, não podendo cruzá-la, fazer o contraditório, investigar, editar. O WikiLeaks publica informação “em bruto”, tal como lhe chega, limita-se a ser um depósito de materiais que outros consideram de interesse para os fins que perseguem.(...)»: Um mundo ao “estilo Assange” | VAI E VEM
A urbe no século XXI
O último número da World Policy Journal traz um dossier fantástico, Megalópolis, para quem gosta de pensar Cidade(s). A não perder: MIT Press Journals - World Policy Journal
O Génio
Ouvido agora mesmo na TV. Uma jovem pé de microfone da RTP apanha o Manoel de Oliveira no lançamento da última curta-metragem do mito e pergunta à queima-roupa: «O que é que espera deste século?». O vetusto senhor hesita e responde: «O que é que espero deste século?... Espero... Sei que não chegarei ao fim dele». Fim.
Mais uma que não vai para a biografia póstuma.
Mais uma que não vai para a biografia póstuma.
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A crise moral
«(…) Apesar desse seu diagnóstico todos os dias ouvimos dizer que a nossa sociedade é, cada vez mais, uma sociedade sem valores, como é que ...